É impossível entrar no lobby do Hotel Hilton Barra e não reparar na espetacular instalação de Iole de Freitas que representa o elemento ar. Com mais de 30 metros de altura, composta de chapas de policarbonato e tubos de aço, a obra surgiu do fundador da Carvalho Hosken, Carlos Fernando de Carvalho (1924 – 2024), à artista plástica, para que criasse uma peça que ocupasse plasticamente toda a área do lobby em sua verticalidade. Iole, então, projetou uma peça única que pode ser apreciada em um ambiente de cerca de 30 metros de altura, por dez de extensão, e 7,5 metros de largura.
A inspiração segue o conceito de arquitetura do Hilton Barra, desenvolvido pela arquiteta paulistana Patricia Anastassiadis, que trouxe para o interior do hotel a leveza da água, do ar e da luz. Em entrevista exclusiva ao blog, Iole fala sobre o desafio de fazer a sua primeira e única instalação para um hotel e de ver como sua obra permanece atual e encantadora uma década após sua inauguração. "A grande importância do convite para o hotel é que, obviamente, é uma instalação permanente", explica a artista. Confira:
Blog CH: Como surgiu o convite para a instalação do Hilton Barra?
Iole de Freitas: O Dr. Carlos me convidou para fazer um projeto que ocupasse plasticamente toda a área do lobby. Isso foi muito instigante, porque a primeira questão, quando sou chamada para as grandes instalações, é se a instalação permanecerá, e até quando for possível durar, ou se ela é temporária. Normalmente, nos museus, nos programas, todos escultóricos, elas são temporárias. E isso interfere em muitas questões, porque não se pode propor uma instalação em ambiente tão amplo se não tivermos um cálculo muito preciso do ponto de vista estrutural. Isso permite que aquilo que é pensado, criado pelo artista, enquanto formas no espaço, possam se sustentar no tempo e permitir a manutenção.
CH: Como esses desafios se refletem na obra?
IF: Toda a ideia era ter uma efervescência de lâminas de policarbonato saindo do chão, que elas se erguessem até o topo deste espaço do lobby, que é um espaço lindíssimo, que ela tivesse uma credibilidade estrutural e plástica de tal modo que pudesse permanecer através do tempo, sustentando o pensamento criador de ter essas lâminas. A grande questão do trabalho é que as superfícies atravessassem processos de torções.
CH: Poderia traduzir esse conceito de torção em termos leigos?
IH: Pense que você está em uma piscina e pega um daqueles rolinhos de isopor, que chamam de macarrão. Coloca na superfície e curva: aquilo é uma curva. Mas se você pega uma ponta, afunda na água e a outra levanta no ar e mantém a curva, há uma torção. Então, aquele corpo sofre uma torção com direções opostas. Isso ocorre em todas essas chapas e provoca uma necessidade de cálculo, de modo que os lugares em que a chapa sofre os furos, as perfurações, que elas sejam muito bem calculadas. Para garantir que tudo desse certo na instalação do Hilton, tive longas conversas com o Dr. Carlos para ele acompanhar o passo a passo do projeto.
CH: Em que você se inspirou para criar essa instalação?
IF: Eu fiz dança há anos e o bailarino sente o peso do ar. Ele sabe a dificuldade, às vezes, de se deslocar com muita velocidade e de se levantar. E esse trabalho remete a uma experiência que eu tive, quando eu morava em Milão, nos anos 1970, onde comecei o trabalho de fotografia, dança e performance. Eu vi os bailarinos Rodolf Nureyev e Margot Fonteyn dançando no célebre Scala de Milão. E, como eu gosto de ver de cima, ficou na minha mente o momento em que ela, que parecia uma pluma, era projetada por ele no espaço, que era uma coisa inacreditável, ver aquele corpo dançante, as torções, os braços, as pernas. E, quando ela aterrissava, e ele, então, a colocava no chão, ele se levantava. E aí eu aprendi tanta coisa observando. É o impulso que o bailarino dá no chão, porque ele é aquele corpanzil, não vai conseguir levantar. Ele se levantava como um monumento no espaço. Então, essa relação de ter um corpo humano de uma bailarina emérita, se deslocando no espaço cênico, do Scala de Milão, com toda aquela envergadura cênica que detém, e ter o corpo mais pesado, o do Nureyev, incrivelmente leve quando se projetava no espaço, isso me ensinou a criar as hastes de sustentação que cruzam o espaço e dão direcionamento. São linhas de força muito marcadas, que têm de ser muito bem desenhadas.
Outra inspiração veio dos desenhos do pintor russo Kazimir Malevich. Os trabalhos que ele fazia como sobrevoos, em que ele enxergava como seria a distribuição das áreas, das plantações. Então, acho que, na arte, vamos sempre observando aquilo que nos impacta, seja em artes plásticas, seja em literatura, seja em música. E aí você percebe, vai ter um Tchaikovsky fazendo um movimento desse. E essas hastes, então, sustentam essas folhas, como corpos muito leves que atravessam o espaço e que se constituem a partir de um cálculo muito preciso de onde entram as perfurações e onde entra, então, o sistema de fixação dessas linhas de força no espaço. Creio que essas foram as experiências marcantes na construção da instalação.
CH: Tem uma história muito curiosa da montagem da obra. Poderia lembrá-la?
IF: Trabalhamos com o hotel totalmente em construção. E fomos enfrentando porque as pessoas acham que só quando a gente vai para um lugar na natureza muito inóspito é que você tem desafios. Quando terminamos, ainda faltava tempo para a inauguração. Embalamos todas as chapas hermeticamente no nono andar. Um tempo depois, o hotel ficou pronto. Como íamos tirar a cobertura? Aí, o Dr. Carlos teve a ideia de chamar uma equipe de rapel. Eles foram tirando os plásticos de cima para baixo, delicadamente. Foi um momento emocionante. A partir da inauguração, a obra se dá, como uma flor que desabrocha. Tenho 52 anos de carreira, e algumas poucas instalações permaneceram. Então, eu agradeço a oportunidade sempre.
Estou com quase 80 anos. A ideia de finitude é presente, você tem que lidar com ela, é uma coisa inteligente lidar de uma maneira harmoniosa. Quando você vê uma obra que é permanente, se dá conta, conscientemente, e mais ainda, nas profundezas do inconsciente, que o artista se vai, mas a obra permanece. É algo que ajuda a lidar com a evidência da finitude.